“O negro sempre foi desclassificado”
O xapeiro José Paulo Ferreira, 57 anos, analfabeto, é um negro anônimo que não teve acesso a educação de qualidade, trabalha desde criança para ajudar os pais e que se considera um excluído social, como tantos que existem na cidade de Vitória da Conquista. Em seu posto de trabalho, à beira da Rio-Ba, no barulho do tráfego de veículos de todos os tipos, ele conversou com o jornalista Mário Bittencourt sobre sua vida e o que acha do Dia Nacional da Consciência Negra, comemorado em 20 de novembro, sobre o qual ele diz ter ouvido falar de uns cinco anos para cá. Seu José sabe bem o que o negro precisa: mais liberdade. “A liberdade do estudo, do trabalho, ter um bom emprego, ganhar mais. O negro sempre foi desclassificado, enquanto cem dá apoio, mil já não querem nem tomar conhecimento. O negro não está com essa bola toda não. Tem de ralar muito. É só sofrimento e nada chega onde a gente quer”.
O PLANALTO – Fala um pouco da vida do senhor, seu José.
JOSÉ PAULO FERREIRA – Eu nasci em Vitória da Conquista em 8 de abril de 1950. Minha infância toda foi no serviço, trabalho desde pequeno. Meu pai arrancava pedra e eu ajudava. Hoje a lei cobra para estudar. No meu tempo era ajudar o pai e a mãe, arrancar pedra. Sempre ajudei a família, não tive como estudar.
OP – Eram quantos na família?
JPF – Era pequena, só eu, meu pai, minha mãe e uma irmã.
OP – Ainda bem.
JPF – É. A família não era grande como a minha. Eu tenho oito filhos e cincos netos. Têm alguns desempregados. São quatro homens e quatro mulheres.
OP – O senhor já ouviu falar do Dia Mundial da Consciência Negra?
JPF – De uns tempos para cá, tem uns cinco anos.
OP – O que o senhor acha dessa data?
JPF – Acho bom porque fala da liberdade dos negros. Do fim da escravidão. Pra gente é bom.
OP – O senhor acha que o negro tem liberdade hoje?
JPF – Não tem aquela liberdade que era para ter.
OP – Que liberdade?
JPF – A liberdade do estudo, do trabalho. O negro precisa ter um bom emprego, ganhar mais. O negro ganha muito pouco.
OP – Os filhos do senhor estão estudando?
JPF – Estão no primeiro ano, segundo ano. O mais novo tem 18 anos e estuda. Os outros trabalham, alguns estudam também. Tem de estudar para ter aquela placa que fica melhor pra arrumar um emprego, o diploma, né? Pra ler uma coisa na rua, essas coisas.
OP - A esposa do senhor estudou?
JPF – Também não. Ela sempre morou na roça desde pequena e lá o fazendeiro não quer saber de por trabalhador para estudar.
OP – O senhor já teve algum problema por ser negro?
JPF – Não. Graças a Deus que não. Essa liberdade eu tenho.
OP – Que tipo de serviço o senhor faz?
JPF – Já trabalhei muito de servente de pedreiro, pintor, armador. Mas hoje estou fora do mercado por causa da idade. Quando chegar meu tempo vou aposentar.
OP – Toda semana tem feira em casa?
JPF - Tem não. Não passo dificuldades, mas às vezes fico apertado. Uma conta de luz que atrasa, de água. Quem me ajuda são meus filhos. Tem um que faz bico como eu e outro que trabalha na Prefeitura.
OP – Como é o trabalho de xapeiro?
JPF – Eu fico aqui esperando carrego. Chega um caminhão de São Paulo, do Rio de Janeiro e aí eu carrego ou descarrego. Mas nem isso está tenho mais hoje.
OP – A coluna, não dói não?
JPF – Dói, mas sou obrigado. Quem não tem onde arrumar, tem de dar o jeito. Fazer o que? Eu já fui de pegar 70 kg, 100 kg, 120 kg. Mas hoje não agüento mais. Pego uns 50 kg, no máximo. Já tive duas operações. Uma vez fiquei tão doente que meu peso de 95 kg ficou de 25 kg.
OP – O coro e o osso.
JPF - É. Fiquei só o desenho. Hoje eu já parei de fumar. Fumei durante mais de 20 anos. Nunca fui fã de bebida. Mas o cigarro me fez sofrer muito. Depois larguei porque se não me matava.
OP – O que o senhor acha que precisa melhorar para o negro, seu José?
JPF – Tudo. O negro sempre foi desclassificado. Enquanto cem dá apoio, mil já não quer nem tomar conhecimento. O negro não está com essa bola toda não. Tem de ralar muito. É só sofrimento e nada chega onde a gente quer.
OP – Muito obrigado pela entrevista, seu José.
JPF – Você pode trazer um jornal pra mim quando sair?
OP – Claro.
JPF – E você lê pra mim?
OP - Com o maior prazer.
JPF – Vou mostrar para os meus filhos também.
O xapeiro José Paulo Ferreira, 57 anos, analfabeto, é um negro anônimo que não teve acesso a educação de qualidade, trabalha desde criança para ajudar os pais e que se considera um excluído social, como tantos que existem na cidade de Vitória da Conquista. Em seu posto de trabalho, à beira da Rio-Ba, no barulho do tráfego de veículos de todos os tipos, ele conversou com o jornalista Mário Bittencourt sobre sua vida e o que acha do Dia Nacional da Consciência Negra, comemorado em 20 de novembro, sobre o qual ele diz ter ouvido falar de uns cinco anos para cá. Seu José sabe bem o que o negro precisa: mais liberdade. “A liberdade do estudo, do trabalho, ter um bom emprego, ganhar mais. O negro sempre foi desclassificado, enquanto cem dá apoio, mil já não querem nem tomar conhecimento. O negro não está com essa bola toda não. Tem de ralar muito. É só sofrimento e nada chega onde a gente quer”.
O PLANALTO – Fala um pouco da vida do senhor, seu José.
JOSÉ PAULO FERREIRA – Eu nasci em Vitória da Conquista em 8 de abril de 1950. Minha infância toda foi no serviço, trabalho desde pequeno. Meu pai arrancava pedra e eu ajudava. Hoje a lei cobra para estudar. No meu tempo era ajudar o pai e a mãe, arrancar pedra. Sempre ajudei a família, não tive como estudar.
OP – Eram quantos na família?
JPF – Era pequena, só eu, meu pai, minha mãe e uma irmã.
OP – Ainda bem.
JPF – É. A família não era grande como a minha. Eu tenho oito filhos e cincos netos. Têm alguns desempregados. São quatro homens e quatro mulheres.
OP – O senhor já ouviu falar do Dia Mundial da Consciência Negra?
JPF – De uns tempos para cá, tem uns cinco anos.
OP – O que o senhor acha dessa data?
JPF – Acho bom porque fala da liberdade dos negros. Do fim da escravidão. Pra gente é bom.
OP – O senhor acha que o negro tem liberdade hoje?
JPF – Não tem aquela liberdade que era para ter.
OP – Que liberdade?
JPF – A liberdade do estudo, do trabalho. O negro precisa ter um bom emprego, ganhar mais. O negro ganha muito pouco.
OP – Os filhos do senhor estão estudando?
JPF – Estão no primeiro ano, segundo ano. O mais novo tem 18 anos e estuda. Os outros trabalham, alguns estudam também. Tem de estudar para ter aquela placa que fica melhor pra arrumar um emprego, o diploma, né? Pra ler uma coisa na rua, essas coisas.
OP - A esposa do senhor estudou?
JPF – Também não. Ela sempre morou na roça desde pequena e lá o fazendeiro não quer saber de por trabalhador para estudar.
OP – O senhor já teve algum problema por ser negro?
JPF – Não. Graças a Deus que não. Essa liberdade eu tenho.
OP – Que tipo de serviço o senhor faz?
JPF – Já trabalhei muito de servente de pedreiro, pintor, armador. Mas hoje estou fora do mercado por causa da idade. Quando chegar meu tempo vou aposentar.
OP – Toda semana tem feira em casa?
JPF - Tem não. Não passo dificuldades, mas às vezes fico apertado. Uma conta de luz que atrasa, de água. Quem me ajuda são meus filhos. Tem um que faz bico como eu e outro que trabalha na Prefeitura.
OP – Como é o trabalho de xapeiro?
JPF – Eu fico aqui esperando carrego. Chega um caminhão de São Paulo, do Rio de Janeiro e aí eu carrego ou descarrego. Mas nem isso está tenho mais hoje.
OP – A coluna, não dói não?
JPF – Dói, mas sou obrigado. Quem não tem onde arrumar, tem de dar o jeito. Fazer o que? Eu já fui de pegar 70 kg, 100 kg, 120 kg. Mas hoje não agüento mais. Pego uns 50 kg, no máximo. Já tive duas operações. Uma vez fiquei tão doente que meu peso de 95 kg ficou de 25 kg.
OP – O coro e o osso.
JPF - É. Fiquei só o desenho. Hoje eu já parei de fumar. Fumei durante mais de 20 anos. Nunca fui fã de bebida. Mas o cigarro me fez sofrer muito. Depois larguei porque se não me matava.
OP – O que o senhor acha que precisa melhorar para o negro, seu José?
JPF – Tudo. O negro sempre foi desclassificado. Enquanto cem dá apoio, mil já não quer nem tomar conhecimento. O negro não está com essa bola toda não. Tem de ralar muito. É só sofrimento e nada chega onde a gente quer.
OP – Muito obrigado pela entrevista, seu José.
JPF – Você pode trazer um jornal pra mim quando sair?
OP – Claro.
JPF – E você lê pra mim?
OP - Com o maior prazer.
JPF – Vou mostrar para os meus filhos também.
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